quinta-feira, março 28, 2024

Entre a Inércia e a Mentira




 Segundo vou escutando, em repetidos alarmes radiofónicos, o país resvala do desgovernado para o ingovernável. Não sei se me aflija, se me marimbe. Confesso que não vislumbro com clareza a gravidade do caso. Tratar-se-á duma degradação ou dum avanço? Dizia o Frederico Nietzsche que "vale mais um mau sentido do que sentido nenhum". Bem, isto, assim a frio, além de não constituir dogma, também suscita algumas dúvidas. Desçamos a casos concretos... Por exemplo, eu, ou um dos caros leitores (quando eu digo "leitores" enuncio à maneira antiga, vertebrada, significando leitoras e leitores - as senhoras primeiro, sempre e soberanamente, claro está) entre estarmos parados ou corrermos a atirar-nos a um poço, ninguém decerto nos convencerá que a segunda opção é preferível à primeira. Ou estarmos quietos e andarmos a rabiar que nem baratas tontas, também julgo ser indiscutível ficarmos sossegadinhos. É claro que ficarmos quietos para sempre, a limite, também não é uma opção viável: significaria que estávamos mortos ou tetraplégicos. Portanto, o Frederico que me desculpe, mas este seu aforismo, embora até soe bem como poesia, carece, ele próprio, de algum sentido. Como alternativa séria (dito à moda de Aristóteles) não funciona lá muito bem, ou funciona tanto quanto aquela capciosa fórmula do "a democracia é o pior dos regimes excepto todos os outros". Se tanto, pertence mais à índole histriónica. A questão, de resto, é de fundo e essência: nenhum mal pode ser convertido retoricamente num bem. Se é um mal, não presta. O contentar-me com um mal menor é o primeiro passo para convocar um mal maior. Não posso entender como uma opção deliberativa o "ser esquartejado e frito" ou "ser apenas frito por inteiro". Não me está a ser concedida uma possibilidade de escolha: apenas sou coagido sob ameaça. Assusta-me mais, muito provavelmente, o ser esquartejado. Por outro lado, tornando ao mau ser preferível ao nenhum, também não é ontologicamente aceitável: o mal e o nada são indistintos - o mal traduz precisamente uma ausência: a ausência de bem. Um mau sentido é um sentido que conduz ao nada, por conseguinte, nem sequer é um sentido, apenas a sua falsificação. "Mau sentido" é uma contradição em termos (pois, um oximoro). Assim como um mau regime não pode ser melhor que regime nenhum: ele próprio é regime nenhum. Sendo mau, é nada. Em que é que um nada é pior ou melhor que outro? Além disso, um mau regime tão pouco pode ser comparado como um "regime qualquer" - dizer um "qualquer regime" ou "nenhum regime" é idêntica, na medida, em que de nenhum regime específico se trata. De resto, a Democracia onde? Quando? De que modo? Para quem? Com que fim? Não existe "democracia em abstracto" (excepto, eventualmente, na república angélica). Se falamos num regime com aplicabilidade para pessoas é de realizações concretas neste mundo, entre determinadas pessoas, gentes, povos que importa saber. Que é necessário investigar e aferir. Por conseguinte,  se alguém fala em democracia, um conceito estritamente político, em termos metafísicos e, pior, neo-religiosos, então esse troca-tintas desautoriza-se, empaspalha-se e cobre-se de ridículo. Se são aos milhares, estes papagaios, então pior não apenas um pouco.  São tantos que viraram praga? Todas as pragas passam. Todavia, nem são os ruídos que movem o mundo, nem, tão pouco, o ruído apaga a verdade das coisas: a democracia não é um dogma. Não temos que acreditar ou deixar de acreditar nela. Nem os exibicionistas crentes são beatos automáticos prometidos à canonização; nem os descrentes podem ser degradados a hereges e ímpios que urge excomungar do demo-evangelho.

Mas voltando à fórmula...

Podemos substituir o sentido pelo governo? Um mau governo é melhor que governo nenhum? É melhor sermos desgovernados ou ficarmos ingovernáveis? - dito noutras palavras mais radicais: é melhor sermos desgovernados ou não nos deixarmos desgovernar? Reparem: um país desgovernado é um país sem governo. Porque um governo que não realiza enquanto curador do bem comum é um não-governo (um desgoverno, enfim). Vou aqui atirar-me à miséria, ao descalabro moral e à dependência múltipla, compulsiva e variada. Alguém me dirá que estou a governar mal a minha vida?  Todos antes certificarão é que não tenho  governo nem tino nenhum nela. Talvez uma meia dúzia, mais amigos das polémicas ou dos jornais, obstarão em contrapartida que sim, que tenho um governo legítimo, embora péssimo, procurador não do meu bem, mas do meu completo mal e ruína. E isso, a limite, até é bom, porque atesta da minha santa liberdade e do meu pleno direito electivo. Um terceiro elemento, inclinado a bizarrias ainda mais avantajadas, argumentará mesmo, em prol do descarrilamento geral, que isso é até racionalmente justificável porque, segundo um delirómetro de sua invenção, tal me granjeou grande prazer sexual e voluptuosa gratificação nalgumas partes. A questão é que eu não preciso da liberdade para me atirar duma falésia para nada. Um projecto de morte não é um projecto de vida. 'Bora lá rebentar com Portugal para demonstrar ao mundo como somos um povo livre. Num belo dia, acordamos e identificamo-nos não como homens, mas como gaivotas. E toca de nos atirarmos pela janela. A pretexto de que vamos voar e maravilhar o mundo com tal perícia inaudita. Navegadores do antanho, pasmai e sumi de vez: eis que os voadores do futuro descolam!  Já não somos orgulhosamente sós, que maravilha, que esplendor! Pois não; virámos orgulhosamente doidos! Militantemente malucos! Alarvemente suicidas! Não se tratou, nem trata, de uma manifestação de virtudes, cívicas, morais ou o que seja, mas apenas do oposto, da ausência de tudo isso. O que não resulta numa pessoa, muito menos resulta num povo, a não ser que este se resuma e nadifique a uma resma de mentecaptos, um arraial de chanfrados e uma quadrilha de bandidos.

Eis-nos, pois, chegados à presente nacinha rectangular. Julgo não exagerar nem faltar à realidade se disser que se divide em duas porções: uma, silenciada, que aguarda, há cinquenta anos, por alguma espécie de governo; e outra, ruidosa, arrotante, que rabia, frenética e tontamente, ensaiando as mais variadas fórmulas de desgoverno. A primeira está a ficar impaciente; a segunda está a ficar gasta. Sinais evidentes de que nada aqui dura para sempre: nem a Inércia, nem a Mentira.

quarta-feira, março 27, 2024

Pontifractor

 Frustrados com as várias tentativas falhadas de destruir a ponte na Crimeia, os ukranóicos acharam que precisavam de treinar e ensaiar melhor. E em tempo e laboratório reais. Naturalmente apoiados e supervisionados pelos seus curadores anglopatas, atiraram-se à ponte de Baltimore. Com retumbante êxito... E logo à primeira. Mais duas ou três e ficam no ponto para Kersch.




PS: Aviso já que nos próximos tempos ninguém me apanha a atravessar na (ex)Ponte Salazar e desaconselho vivamente qualquer trânsito aos leitores e amigos. Já viram se os tipos ensaiam na ponte à hora de ponta?

PS2: Entretanto, uma curiosidade: dado que aos antigos imperadores romanos e depois aos papas se atribuiu o título de "pontifex" - (o fazeder de pontes), ao contrário disso, os actuais fake-imperadores e anti-papas, vulgo anticristo, deveríamos talvez cognominar de "pontifractor" - o assolador, arruinador de pontes.  Aliás, é uma aversão geral, não apenas a pontes, mas a todo o tipo de ligações, desde pipelines a telefones ou diplomacias.

terça-feira, março 26, 2024

Psyco Pets, ou Entre o Papão e os Gambosinos

 



O massacre terrorista de Moscovo, a nível informativo, resultou num dilema: foi o ISIS ou foram os ucraniões? Os Estados Unidos, logo de imediato, apressaram-se a garantir que não tinham sido os ucranóicos. Sabendo já toda a gente, com grau de certeza ao nível das matemáticas, que tanto o ISIS (K?) quanto os SBUs, não passam, no essencial, de proxys americórnios, então a questão devém irrelevante. Qualquer que tenha sido o instrumento, sabemos (e sabem ainda melhor os russos) quem foi o autor, mentor e patrocinador. Se depois se trata dum acto onanista da CIA, MI6 ou Mossad (passem as redundâncias), ou duma espécie de ménage S&M ou gang-bang explosivo, pouca importância tem para a contabilidade real. O certo é que os Russos adquiriram uma montanha de crédito que, no futuro, tratarão de sacar segundo as conveniências. E como dizem que a vingança é um prato que se come frio... Quase apostaria na forma de gelado.

Por outro lado, a morologia, ao nível das putativas potências oxy-dentais e respectivos coros da sacristia merdiática, já transcende a anedota: adentra pelo monguismo sublime a todo o vapor. Eis o globo-grunhido orquestrado do momento: foi o ISIS, foi o ISIS; não foi a SBU!...  Como se houvesse diferença. "Não foi com a mão esquerda, foi com a direita"...  Protesta, veementemente, o psicopata assassino.

Todavia, se quisermos entrar em meticulosidades, tem razão. Embora, muito provavelmente, até tenha utilizado as duas. Precedido do requinte sádico - e cínico - de  avisar com antecedência.

segunda-feira, março 25, 2024

Morologia universal

 Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa:

Oximoro - Figura de retórica que consiste em reunir, no mesmo conceito, palavras de sentido oposto ou contraditório.

Portanto, e em termos mais sintéticos, um contrassenso. Já aqui escalpelizei alguns na rubrica "Oximorologia para Totós". No nosso tempo já deixaram de ser ocasionais. Para passarem a infestantes e opressivos. 

Se recuarmos na etimologia da palavra talvez facilite a explicação...

Assim, do grego Oxy+Mwro - sendo que oxy significa "agudo", "estridente", "veemente"; e mwro quer dizer "estúpido", "embrutecido", "néscio", "tresloucado", "insensato", "tolo", "imbecil"  etc -, então "oximoro" resulta em qualquer coisa como "aguda estupidez"; ou "veemente maluqueira"; ou, num termo mais moderno (e consequentemente barbarizado), "gritante nonsense".

Por falar em barbarismos... Na anglonomatopeia actual, curiosamente, "moron" mantém integralmente a grafia e a semântica originais, significando, tal qual há dois milénios, "idiota", "imbecil", "estúpido". Ora, dada a preponderância que a mesma exerce sobre a mecânica mental das massas, não é de espantar que a coisa se tenta aspergido e entranhado por toda a parte. Se repararem bem, sobretudo entre aquilo que passa por notícia, informação, ciência (e não só social), discurso político, paleio "artístico", dir-se-ia termos descido a um qualquer parque infantil (imbecil, em bom rigor), numa espécie de Oximorolândia temática para famílias em peregrinação BD. Temos oximoros para todos os gostos e áreas, tudo resumido e concentrado no mesmo recinto, explanado por múltiplas estações, bem como sob a égide e a gestão do mesmo empório de recreação e entretenimento. Na verdade, é a própria multiplicidade técnica das linguagens (nos seus diversos vocabulários intrínsecos e operativos) que, num golpe de mágica, aparece reduzida e abreviada a um glossário único - uma morologia universal, multiusos e pim-pam-pum! Num tempo em que tanto se palra acerca de diversidade cultural, racial, sexual e mais um par de botas, raia até o anedótico - se bem que o anedótico perverso - testemunhar como tudo se nhanhifica ao desnível do dialecto minimal repetitivo, espécie de novo esperanto da baboseira metida a dogma.

A morologia já era conhecida na grécia antiga. Consistia em dizer tolices e disparates. Uma linguagem sem senso nem sentido.

Quanto aos oximoros propriamente ditos, o fenómeno ameaça já ubiquidade neo-divina. Por conseguinte, entre uma miríade deles sempre hiperactivos, cito apenas os mais comuns e recorrentes: gloriosa traição, esplendoroso esgoto, magnífica ninharia, píncaro rastejante, heroica cobardia, sábia mentira, sincera vigarice, destemida impotência, subtil esterco, majestosos insectos, formidáveis micróbios, gangrena atlética, putrefacção olímpica, palha informativa, etc, etc.

Para quem preferir numa forma mais poética, e já no ensejo do cinquentenário comemorativo, reponho um rasgo antigo que, para meu grande desconforto, amanhece todos os dias mais actual:


A Sangue Frio


Filhos da campa-berço
a caminho da masmorra ginásio
Olhos virados do avesso
sistema de rega por naufrágio;
Bar-restaurante de venenos
a dentadura-bisturi
O feto-camisa de Vénus
máquinas de suplício ao Ralenti...

Um açougue-infantário
um antropófago com ténia,
A máquina da Felicidade ao contrário
academia de carrascos em vénia;
Agrilhoado à morgue-escola
um cadáver repetente,
Um oceano de coca-cola
um esgoto presidente...

Três caixões ortopédicos
um suicídio por contrato,
mil conselhos médicos
sobre a autópsia-parto;
Uma retrete-manjedoura
um esqueleto de bikini,
burocratas em salmoura
vermes com pedigree...

Um trono-patíbulo
um cancro benigno,
capelas de prostíbulo
um genocídio por signo;
Um cemitério climatizado
universidades da putrefacção,
um eunuco apaixonado
chatos de elite e estimação...

Uma hóstia-supositório
múmias com nervos em franja,
Férias pagas no purgatório
arsénico com sabor a laranja;
O homem autónomo perfeito
parafusos, cabos e canos
uma bomba eléctrica no peito
a boca fundida ao ânus.

Répteis de sangue quente
A puta que Deus não pariu...
Um deserto de gente
A realidade a sangue frio.


PS: A viagem do termo "moron" no inglês (via amaricano) também tem a sua história e respectiva piada. Fica para outras núpcias.

sábado, março 23, 2024

A realidade e a narrativa

 Sempre oportuno escutar Baud. Para os mais jovens, que já nasceram na anglofonia infestante, a facilidade da conversa ser debitada nesse barbarismo hodierno. 




quarta-feira, março 20, 2024

La Fin de Leur Monde

 Ploncard D'Assac, o filho. Numa recente conferência.


Creio que o meu pai foi amigo do pai dele. Cá em Portugal.


terça-feira, março 19, 2024

Polo Fugitivo

« Conforme alertam os cientistas, o Polo Norte está se movendo do Canadá para a Rússia, a uma velocidade preocupante.»

Bem, o Polo, pelos vistos, já se passou, de armas e bagagens, para o Putin. Atrás dele, decerto, vão os meridianos. Não tarda, o Oxidente muda de geo-género. 

segunda-feira, março 18, 2024

A Anodisseia do Erro




 O erro, como diz o adágio, é, por essência, humano. Poderíamos até definir o homem como, mais até que racional (o que, cada vez mais, ou é duvidoso ou não é universal), o animal que erra. E erra, sobretudo, porque duvida, nega e inventa.  Poderíamos ponderar, a limite, que o homem é um erro da natureza, ou, mais abissal ainda, um erro de Deus. Como isso arriscaria entrar no domínio do absurdo, o homem terá que ser arrumado, no pior dos casos, algures na gaveta da aberração. Não é um dano essencial ao cosmos, mas apenas um dano colateral, um acidente insignificante. Isto, apenas em teoria, colide com grande parte da tradição civilizacional europeia, sobremaneira desde o século XII, em que o protagonismo do homem na Criação foi instaurado - quer dizer, passou a considerar-se o Homem como o destinatário da obra divina. Todavia, na prática e na experiência empírica, esse optimismo exacerbado cede lugar a um pessimismo dificilmente sanável; e quanto mais o tempo avança e a História se desenrola, mais sinais inequívocos do "erro" abundam.  Eventualmente, uma das provas deste "erro" poderia até ser inventariada na "descida da própria divindade" ao mundo para tentar corrigi-lo (ou conceder-lhe alguma espécie de hipótese disso, de auto-correcção). Não se pode dizer que o panorama actual, bem como dos últimos séculos, incline ao optimismo. O homem está cada vez mais homem. Aliás, enquanto "coisa que erra" passou mesmo da essência específica à vocação obsessiva, isto é, trepou da essência à quintessência. Não erra já apenas por natureza; erra por princípio e fim. À auto-correcção preferiu a auto-destruição? Poderá um milagre salvá-lo? O futuro o dirá. 

Um protagonista de um dos meus escritos impublicados, que é quase meu homónimo, apresenta o seguinte plano de vida: "se errar é humano, então vou errar absolutamente de modo a tornar-me um super-homem". E trata de agir em conformidade. Começando, claro, na própria linguagem e nos seus significados. A lógica é irrebatível: se errar é humano, então super-errar é suprahumano. Num aparte teológico, poderíamos talvez atalhar que "suprahumano" também é  Satã. Mas não entremos, por agora, em teologias.

O certo é que o homem concreto e mundano dos nossos dias  aproxima-se, cada vez mais, e perigosamente, do alucinado personagem da minha sobredita ficção.  Reparem até como  continua  a fantasiar-se e auto-investir-se no papel de, unilateral e megalómano, umbigo do mundo. O seu erro metódico e avassalador já o conduziu não apenas ao despejo de Deus, como à usurpação do seu papel na história: arvora-se super-protagonista, mais ainda do que há oito séculos, imensamente mais, só que, doravante, não já como destinatário da criação, mas autor inspirado do seu contrário, a destruição. Dir-se-ia que pretende reescrever a Bíblia às avessas, partindo do Apocalipse para o Génesis. A bomba atómica, tudo indica, subiu-lhe à cabeça: se é capaz de arrasar uma cidade, porque não um planeta inteiro!?... Todavia, o delírio não fica por aqui: ao mesmo tempo que se proclama destruidor do mundo e arredores (depois de expulsar Deus, destrona o próprio sol, portanto passa da religião à física sem sair da anterior), rompe, esquizofrenicamente, em trajes de profeta aceso e clamores à penitência, ao arrependimento, para efeito de salvação do mundo, da qual, não menos curiosamente, se auto-investe de stand concessionário e representante exclusivo. Portanto, é, simultaneamente, o protagonista geral e definitivo - para a destruição, para a salvação e para todas as causas entremeadas. Os antigos acreditavam que Zeus controlava o clima; os modernos substituíram Zeus pelas forças da natureza; estes actuais treparam à torre de controle e garantem que é o próprio homem que, depois de se fazer a si próprio (evoluindo, quiçá, desde aminoácido), faz também o clima. A meteorologia cedeu passo à mentirologia? Não apenas. É mais complexo: é a tal vertigem do erro. Não são apenas os graves, como desde Galileu se sabe, que experimentam no movimento de queda uma velocidade uniformemente acelerada. Os homens também. E isso, entre eles, tem um nome muito sugestivo: Progresso. O progresso, se repararem bem e a história documenta, também é uniformemente acelerado.

Assim, é-se tanto mais progressista ou amigo do progresso quanto mais se erra, em acto, pensamento ou potência. Até porque o progresso é sempre mais sedutor e atractivo para muita gente, dado que afaga e cativa aquilo que pulsa e habita numa, digamos assim, propensão material/natural/emotiva do humano ao erro. O invólucro da novidade, a excitação da descoberta, a sensação da velocidade, também contribuem ao enlevo (e ao engodo), e não é pouco. Fernando Pessoa recorre a uma outra fórmula equivalente ao "errar é humano": ser insatisfeito é ser homem.  Lá está, o erro fica sempre aquém, nunca preenche, realiza ou satisfaz plenamente. Apenas cartografa um percurso - ou um precipício, se quisermos ser rigorosos - onde cada erro é apenas um degrau necessário para outro ainda mais abaixo, ainda mais infundado; em suma, onde cada novo erro, mais que conhecimento real, apenas cria um vício e uma necessidade de mais e mais erros, quais doses sempre escassas e, por fim, vácuas, nadificantes da própria existência. O erro, em bom rigor, como toxicodependência radical. Um vazio que tanto mais se dilata quanto se procura encher. O "quanto mais sei, mais descubro que nada sei" também não dista muito daí. Entretanto, em épocas mais religiosas, talvez se apresentasse o erro na embalagem do pecado (remontando ao pecado original). A teologia cristã elaborou exaustivamente sobre o assunto, tentando inúmeras explicações, até porque a questão não era fácil: se a Criação era perfeita como podia o erro surgir no âmago da mesma? Quem criou a serpente? Que raio fazia ela no Éden? Etc. Daqui partirão os gnósticos para o demiurgo trapalhão. O próprio Platão, no Timeu, entrega a criação do mundo material (inferior, portanto) a um demiurgo, que trabalha para um Deus superior. O Deus Desconhecido, benevolente e misericordioso, é o de Jesus? Tudo questões hirsutas que, ao longo dos tempos, abordaram o erro. Foi preciso chegar a Idade Moderna, e o erro maior e mais obstinado da "razão", para surgir uma explicação mais superficialmente abissal (assim mesmo, com todo o paradoxo): o pecado era movido por uma voluptas - o homem retirava um prazer especial no erro. Especial e voluntário: a voluptas decorre, com efeito, do exercício duma voluntas, isto é,  o prazer culmina um desejo: o homem deseja o erro. Porque o erro lhe confere uma gratificação libidinosa. Excita-o muito. Desembarcamos assim num mundo obsceno; a limite, e com mais ou menos cobertura edulcorante, o "paraíso de Sade", da lógica sado-masoquista, que prevalece -  e se refina, recicla e circunvoluciona - até aos nossos dias. Onde Poder e Prazer surgem entrelaçados, situando-se o primeiro como a capacidade de errar - não só no sentido de se mover sem respeito por qualquer ordem ou sentido (destino ou mapa prévio), mas também de cometer todo o tipo de "pecados", atentados, atropelos, violências e alucinações-, e o segundo como recompensa anexa e estímulo inesgotável. 

Se recapitularmos a obra mais sinistra do Divino Marquês, "Os 120 Dias de Sodoma" (cuja última parte é simplesmente ilegível, embora adivinhável segundo a cadeia lógica dos acontecimentos), constataremos uma sociedade concentracionária, sumamente legislada e repressiva (embora aparentemente entregue ao deboche e à libertinagem desenfreada) onde as vítimas (a maioria) estão submetidas a todas as regras e interdições, muitas delas humanamente inconciliáveis, de modo, precisamente, a ocasionarem motivo para falta e castigo. As quatro bestas presidentes àquele labirinto, personificações do Poder e da Volúpia soberana, escoltados por uma corte de acólitos e torcionários coadjuvantes (especialmente as "historiadoras", sacerdotisas da linguagem), contabilizam as faltas, ministram os castigos, reprimem e abusam desvairadamente, até ao paroxismo inexorável, culminando, por fim, na chacina literal das vítimas e retirando de tudo isso um prazer demoníaco (já que mesclado numa exasperação furiosa por acarretar consigo um vazio sempre crescente e frustrante - onde o clímax é só o patamar para a queda). Há nisto uma espécie de silogística dos abismos: o inferno não é apenas um lugar de suplício dos internados; é também uma área de prazer dos demónios torturadores. Portanto, se estamos confinados ao inferno, sejamos demónios o mais possível. Tanto melhor será a nossa posição nesse mundo quanto piores formos; quanto mais errarmos e atentarmos contra o outro. Erremos, pois, com todas as nossas forças e volições. Esta lógica rastejante vem de longe, andou tanto que gastou as pernas. Não é esse itinerário que, por agora, importa aqui mapear. Todavia, se transpusermos a alegoria para o nosso tempo, ela cai que nem uma luva. Desvela-se a cada ano que passa, uma corte algoz (os tais menos de 1%, mai-los apaniguados de aluguer) com intuitos globais - ou seja, de confinamento planetário a um único parque de recreio e delícias -, onde a maioria silenciada é submetida a todo um aparato kafkiano de leis, tabus e interditos, que principia na linguagem da propaganda e se dissemina através  de sistemas securitários e hipervigilantes, corporizando mecanismos punitivos, mutilantes e zeladores do bom andamento dos suplícios, bem como da alimentação do medo. O que distingue esta minoria residual superpotente da maioria disfuncional impotente é precisamente a possibilidade de transgressão. Um estar acima das leis, das pseudo-regras e da própria lógica ficticiamente vigente. Na verdade, gozam de impunidade na medida em que são eles quem administra os rituais e burocracias da punição, quem sacrifica, quem, de certa forma, se substitui aos próprios flagelos naturais. Que não macaqueiam apenas: expandem, ampliam, refinam. À esporadicidade daqueles opõem agora uma perseverança hermética e ininterrupta;  desempenhando-se como um flagelo perpétuo, impiedoso, omnipresente. Por outro lado, o estar acima é também um estar fora. Administram o progresso - controlam-no e urdem-no; o desenvolvimento da história decorre segundo os seus interesses, caprichos e insondáveis desígnios. Mas, simultaneamente, escapam-lhe, transcendem-no: enquanto pilotam os acontecimentos, estão imunes a eles, para lá do próprio olimpo administrativo, arvorando-se princípio e fim dos mesmos. São, por isso, o "fim da História" e o "motor do progresso". Além deles é o impensável,  o indizível, o despenhadeiro. De tal modo que, se atentarmos bem, já nem estamos sequer no domínio dos novos-deuses ou semi-deuses. O caso já reenvia para uma espécie de mecânica fatal, cega e obscura como era o Destino para os gregos clássicos. Só que destituído de qualquer sentido ético, estético ou profético. Bem pelo contrário, no seu exacto avesso: do perverso, ascoroso e exasperante. Em bom rigor, uma maquinaria absurda numa  aceleração helicoidal directa ao infinito, onde o extermínio de todo e qualquer sentido compete com a urgência distópica. No meu "Tratado da Besta" eu chamo-lhes "Meta-criaturas". Para facilitar a compreensão ao nível do quotidiano, eles auto-denominam-se, cinicamente, o "Ocidente". De contrafacção, como é óbvio.

Mas, como em qualquer odisseia da palavra, por pequena que seja, voltemos ao início. Se atentarmos bem à definição, nesta, não é o erro que é uma essência do homem: é o homem que é uma essência do erro. Noutras palavras, não é o erro que serve ao homem: é o homem que serve ao erro. Quer dizer, logo na expressão "errar é humano", o sujeito não é o homem, mas, outrossim,  é o homem que se sujeita, se reduz ao erro. Sendo o erro inútil ao homem, este, todavia, é útil ao erro, na medida em que lhe serve de transporte. De predicado. Etimologicamente, também tem a sua piada... o Prae - dicus , ou seja, a ante - dito/nomeado/exposto. Donde o homem como expositor do erro, como montra, enunciação e pronunciação do erro. O erro não exprime o homem: o homem exprime o erro. Lembram-se da teologia, lá atrás? Será que necessito acrescentar um desenho?... Não precisam de lhe chamar Deus (ou o seu contrário). Podem também pensar enquanto Kosmos, ordem, beleza, Ser. A ilacção é a mesma; e é fatal. A não ser que o homem se confine ou nanifique ao erro, então a dimensão do homem é muito mais vasta que esse mesmo erro. Quando digo que o homem se exprime, essa expressão do homem, pode também exprimir-se enquanto erro, mas esse erro não o exprime absolutamente, é apenas uma falha sua, um acidente. Todavia, se o homem se deixa reduzir (esgotar)  a mera expressão de algo, o erro, então não estamos perante uma real expressão humana, mas sim diante  da expressão de algo, o absoluto erro, através do homem. A diferença que existe entre ambas as acepções é exactamente aquela que existe entre condutor e  veículo.  Se o homem conduz, então pode também errar, ter um acidente, despistar-se: mas não é essa a sua finalidade, nem o princípio e causa que o levou à viagem. Mas se o homem é apenas um veículo que erra, sem respeito por princípio ou causa, mas por mero capricho ou vício de errar, estrita sucessão de despistes e colisões, despenhamentos e avarias, nesse caso nem sequer há uma viagem, porque ausente princípio e fim, partida e chegada, tudo se resume a nada. Não sendo expressão do Ser humano, o homem, enquanto viajante do cosmos, é expressão do nada. O Homem enquanto essência do erro (a limite, do mal) é mera expressão duma ausência. De si em si, de ordem em si, e de ordem no mundo.

domingo, março 17, 2024

Nome artístico

 

«Ancient cuneiform Babylonian artifact bearing name ‘Benayahu ben Netanyahu’ will be shown to visiting dignitaries»


Parece que o psicopata Bibi arranjou um objecto arqueológico onde aparece, datado de há muitos séculos atrás, o seu "nome" actual. Sendo que o objecto será babilónico e o seu nome é um falso nome auto-fantasiado (como é típico desta choldra), não se percebe muito bem que raio de evidência pretende impingir aos otários frenéticos.
Como o próprio jornal israelita revela, o pai do Bibi chamava-se  Benzion Mileikowsky, e terá mudado o apelido quando desembarcou na Palestina. Oriundo da Polónia, imagine-se. Nada de surpreendente: os tampinhas assumem o nome de acordo à geografia, de modo a melhor vigarizarem os indígenas. No caso dos palestinianos, vão mais longe: não contentes de vigarizá-los, estão decididos a exterminá-los. É o chamado golpe perfeito: apropriam-se-lhe dos bens e da identidade.


 

sexta-feira, março 15, 2024

Saneamento básico no paraíso

 




O ex-engenheiro da Boeing, onde trabalhou 32 anos, e que, entretanto, denunciou várias trafulhices da gigante aeronáutica,  apareceu finalmente suicidado. Para conforto, regozijo e sossego de todos os abnegados palhadinos do neoparaíso e respectiva perfeição regimental. Uma serpente destas, assim, à solta, causava uma mescla de temor e angústia que este feliz (e justiceiro) desenlace veio colmatar. Todas as macieiras estavam em perigo.

O caso mereceu alguns comentários de terceiros diversos. Passo a reproduzi-los:

1. Sempre foi um meticuloso. Tinha a mania de certificação. Certificava-se por tudo e por nada. Chegava a ser obsessivo. Chegava, não: ultrapassava. Quase patológico. O primeiro tiro foi mortal, segundo o médico. Os outros dois foram só mesmo para ter a certeza. Ao menos assim, estou segura, vai poder descansar em paz. Caso contrário, nem dormia. Quanto mais pela eternidade!...

       - Uma prima sob anonimato.


2. Não ouvimos tiro nenhum. Deve ter usado silenciador. Era uma pessoa tímida... Muito discreta. Ou então, também já ouvimos dizer, recorreu ao veneno. Primeiro terá envenenado a faca (curare, como os índios) e depois espetou-a nas costas. 

      - Anónimos sob disfarce.


3. A facada nas costas, qual é o mistério? Isso é mesmo querer inventar teorias da conspiração. Praticava ioga, tinha um cúmplice, era aliado dos Estados Unidos, que sei eu!...

    - Xerife mistério.


4. Doutor,  a auto-degolação, tecnicamente, pode ser classificada como "ferimento auto-inflingido"? 

     - Jornalista estagiário (ao médico legista)

5. Só poderemos determinar isso quando encontrarmos a cabeça. Aliás, esse deve ter sido mesmo o móbil para o acto extremo: perdeu a cabeça.

     - Médico legista (ao jornalista estagiário)

     

6. "Apareceu morto" é uma forma muito infeliz, negligente e alarmista de expressão. Sejamos sérios: os mortos não aparecem. Se aparecem é porque não estão mortos. Veja-se o caso de Jesus Cristo. Apareceu e teve que tornar a aparecer porque um tal Tomé deu em armar ao Descartes, fora de horas e de século. Não, se apareceu é porque não está morto; se está morto, não aparece. Desaparece e nunca mais ninguém lhe põe a vista em cima, isso é garantido. E está mais do que demonstrado empiricamente, por milénios e multidões de exemplos. Tirando, naturalmente, aquela excepção conhecida (e autorizada) à regra: Cristo? Eu disse "naturalmente", não "sobrenaturalmente". Portanto, refiro-me, como é óbvio aos mortos do holocausto. Ora,  este Barnett nem judeu era. Portanto, jamais poderia aparecer morto. QED.

      - Congressista americano de Seatle


7. Putin mandou matá-lo, onde é que está a dúvida!... Tentaram arrastá-lo à força, os FSBês, para um arranha-céus, de onde o defenestrariam "acidentalmente". Mas como ele resistisse com ucro-frenesim, acidentaram-no mesmo ali. Pela janela da pickup não resultava.  Teve que ser  com uma marreta... que previamente aguçaram. Porque motivo Putin faria isso? Isso é irrelevante para a narrativa. Até porque não era ele quem tinha o trabalho de afiar a marreta.

     - John Milhazes, teórico da conspiração putino-compulsiva 


8. Não há como negar que só pode ter sido consequência de suicídio. Abaterem-no a tiro, nos Estados Unidos, é totalmente inverosímil... Afinal, estava no parque de estacionamento dum hotel, não estava no interior duma escola.

     - Sociólogo Pragmatista


PS: Entretanto, prossegue a campanha demoníaca (e altamente difamatória)  contra um dos símbolos empresariais do  MaisQuoxidente: A Boeing está em grandes sarilhos . Não tarda, estão a imaginar mafias, gangsters, bombas atómicas e até o assassinato do Jimmy Hoffa.

Metalógica Política

1.)  Esquerda mascarada de esquerda + Esquerda mascarada de direita = (Ch)arco da (des)governação

          (Ch)arco da (des)governação

2.)    -----------------------------------  = Democracia + Estado                  

                 Povo Português                                                                                     

3.) Democracia = {   }

4.) Democracia - 0 (zero) = 0 (zero)

5.) Povo Português x Democracia = O (zero), Esquerda

6.)  + Esquerda =  Portugal - Governo

7.) Orçamento de Estado : (Ch)arco da (des)governação = Povo Português x 0 (zero)

8.) Esquerda (ao quadrado) = Rectângulo